Seis capítulos foram suficientes para que a literatura brasileira fizesse justiça a mulher que, depois de Eugênia Câmara, no entendimento da autora, recebeu os melhores momentos do poeta e lhe inspirou o maior número de poesias.
O livro retrata o amor incondicional de uma moça do sertão baiano ao poeta Castro Alves, na visão de Jorge Amado, ‘o mais belo espetáculo de juventude e de gênio que os céus da América presenciaram’.
Ela pressentiu o poeta ser levado aos descaminhos do amor por Idalina, companheira com quem viveu numa casinha em um bairro retirado do Recife. Ouviu dizer dos embates do poeta na Academia Recifense em defesa da artista portuguesa Eugênia Câmara, que posteriormente seria sua obsessão amorosa, contra o também poeta Barreto em defesa da atriz Adelaide Amaral.
Eugênia Câmara já era uma balzaquiana quando conheceu o poeta. Viva, esperta, de pronúncia carregada, morena, olhos negros, sorriso contagiante, seios fartos e provocantes, fazia versos e se tem notícias de sua sagacidade no contentar seus admiradores sem despertar ciúmes. Uma verdadeira armadilha para um jovem poeta de 20 anos. Na cidade de São Paulo um flagrante. O poeta no dizer de seus biógrafos não se portou como homem aos costumes da época. Ao contrário, enxotado da casa da amante, fez cenas de ciúmes e amargou noites de insônia e dor. Andanças solitárias em caçadas nos subúrbios paulistanos um acidente com arma de fogo lhe custou a amputação de 1/3 da perna esquerda. Não se tem notícia sequer de uma visita de Eugênia Câmara ao poeta. Em decadência, a atriz que recebeu os mais belos versos castrinos passou a uma vida desregrada, em meio a orgias e vícios propiciando-lhe adjetivações como bancante, messalina, libertina, entre outros.
Ao final do ano de 1869, o poeta Castro Alves volta para Salvador doente do peito, mutilado e desiludido no amor. Aconselhamento médico o leva de volta a Curralinho, no interior do Estado. Em 1870, toma o vapor de Cachoeira e sobe o rio Paraguaçu em busca do espaço mágico de sua infância, da qual havia feito parte Leonídia.
Ao final do ano de 1869, o poeta Castro Alves volta para Salvador doente do peito, mutilado e desiludido no amor. Aconselhamento médico o leva de volta a Curralinho, no interior do Estado. Em 1870, toma o vapor de Cachoeira e sobe o rio Paraguaçu em busca do espaço mágico de sua infância, da qual havia feito parte Leonídia.
No caminhar do poeta no tempo e no espaço, Myriam Fraga, passa ao registro histórico desse resgate, que sob o ponto de vista do poeta, no dizer da autora, sob o ponto de vista do poeta: 'um novo amor, um sopro de vida e de esperança - último raio de sol no crepúsculo que advinha', do ponto de vista de Leonídia, ' um único amor, a dádiva final, mesmo sabendo que nada mais é possível - Amor, eu não sou digna, mas dizei um só poema e minha vida será salva. Justificada'.
No primeiro capítulo, A volta, a autora descreve os momentos meditabundos desse regresso; o momento em que lhe vem a mente versos de Fagundes Varela que o levou a agarrar-se a um ‘discreto caderno’ e com sua caligrafia elegante iniciar o poema Versos de um viajante, no entendimento da autora, quase que uma oração de passagem.
No segundo capítulo, Reencontro com a terra, a difícil chegada a Nossa Senhora do Curralinho, onde foi hóspede de dona Joana Constância, sua prima em segundo grau, em cujo sobrado havia passado férias escolares em companhia de Leonídia Fraga. Ali, o poetou Aves de arribação, dado pelos seus biógrafos como lembrança dos tempos no Recife com Idalina.
Hoje a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram... No abandono
Murcharam-se as grinaldas lianas.
Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
... A Primavera, que arrebata as asas...
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...
No terceiro capítulo, Três anjos: uma mulher, a autora critica a posição de alguns estudiosos ignorarem a importância de Leonídia na vida do poeta, e a outros, que a referencia de passagem, às vezes apresentando-a como uma criança, ora adolescente, sem compreensão do significado do amor. Não consideram que o poeta e a Flor do Sertão possuíam a mesma idade. Os três encontros do poeta com Leonídia durante suas existências ficaram registrados no poema ‘Fé, Esperança e Caridade’.
Quando a infância corria alegre, à toa,
Como a primeira flor que na lagoa,
Sobre o cristal das águas se revê,
Em minha infância refletiu-se a tua...
Beijei-te as mãos suaves, pequeninas,
Tinhas o palpitar de asas divinas...
Eras – o Anjo da Fé!...
Depois eu te revi... Na fronte branca,
Radiava entre pérolas mais franca
A altiva c’roa que a beleza trança!...
Sob os passos da diva triunfante,
Ardente, humilde arremessei minh’alma,
Por ti sonhei – triunfador – a palma,
Ó – Anjo de Esperança!...
Hoje é o terceiro marco desta história,
Calcinada aos relâmpagos da glória,
Descri do amor, zombei da eternidade!...
Ai não! – celeste e peregrina Déia,
Por ti em rosas mudam-se os martírios!
Há no teu seio a maciez dos lírios...
Anjo da caridade!...
No quarto capítulo, O Hóspede, o poeta esboça o desejo de partir. No entender a autora, sente falta dos aplausos, das lisonjas, da glória de ter a platéia rendida ante a força de seus versos. Leonídia percebe e tenta dissuadi-lo. Em resposta lhe entrega o poema O Hóspede, inspirado na dor de Leonídia ao pressenti-lo.
Onde vais estrangeiro! Por que deixas
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes.
Quando podes achar amor tão perto?...
A volta é adiada. Acaba cedendo aos apelos de Leonídia. A saúde agrava. É recomendado a recolher-se à fazenda Santa Isabel, de propriedade do amigo e irmão de Leonídia, que os acompanha. Ali, o poeta sob os cuidados da Flor do Sertão retoma o poema Os Escravos, poeta outros para a série Cachoeira de Paulo Afonso, e sonha com a epopeia de Palmares, abortada pela morte prematura.
No quinto capítulo, Se eu te dissesse..., a autora faz uma viagem pela personalidade do poeta em relação a seus amores, a facilidade, porém, com que se entregava a estes assomos e a rapidez com que trocava o objeto de sua eleição faz-nos desconfiar que mais que as múltiplas mulheres o que realmente o atraia era a sensação de enamoramento, a força que faz o coração bater mais rápido. O amor do amor, eis o sentimento que na verdade animava seu coração insatisfeito. [...] Diante da pureza desta mulher que se entrega, tão vulnerável em sua paixão desmedida, impõe-se não tocá-la para que não se quebre o vidro que a resguarda, como uma redoma de fúria e de inocência. Prefere uma estrela famosa, festejada como atriz e desejada como amante. Em setembro o poeta regressa a Salvador deixando a Leonídia o poema Se eu te dissesse...
Partiu para onde lhe aguardavam os novos amores, o livro e a morte.
Se eu te dissesse que cindindo os mares,
Triste, pendido sobre a vítrea vaga,
Eu desfolhava seu nome as pétalas
Ao salso vento, que as marés afaga...
Se eu te dissesse que por ermos cimos,
Por ínvios trilhos de uni país distante,
Teu casto riso, teu olhar celeste
Urgia o lábio ao viajor errante;
Se eu te dissesse que do alvergue à ermida,
Do monte ao vale, da chapada à selva,
Junta comigo vagueou tua alma,
Junta comigo pernoitou na relva;
Se eu te dissesse que ao relento frio
Dei minha fronte à viração gemente,
E olhando o rumo de teu lar - saudoso,
Molhei as trevas de meu pranto algente;
Se eu te dissesse, pela flor das salas!
Que eu dei teu nome dos sertões as flores!...
Eu ousei, na trova em que os pastores gemem,
Por ti, senhora, improvisar de amores.
Se eu te dissesse que tu foste a concha
Que o peregrino traz da Terra Santa,
Mago amuleto que no seio mora,
Doce relíquia... Talismã que encanta!...
Se eu te dissesse que tu foste a rosa
Que ornava a gorra ao menestrel divino;
Cruz que o Templário conchegava ao peito
Quando nas naves reboava o hino;
Se eu te dissesse que tu és criança!
O anjo-da-guarda que me orvalha as preces...;
Se eu te dissesse - foi talvez mentira" -
Se eu te dissesse... Tu talvez dissesses...
Nota de Myriam Fraga: Uma das mais enigmáticas poesias da lirica de Castro Alves quanto à sua inspiradora. Escrito na Fazenda Santa Isabel, o poema é uma declaração de amor que dá testemunho de um sentimento eternizado através do tempo. Se lembrarmos a composição Fé, Esperança e Caridade, e que também está patente a permanência de um amor que, nascido na infância, acompanha a trajetória do poeta nas várias fases de sua vida, podemos imaginar que a lembrança de Leonídia, a amiguinha de infância, a jovem encantadora que o enfeitiçou na adolescência, a mulher que o amparou na adversidade e na doença, tenha sido realmente uma fonte constante de inspiração.
Não podemos esquecer porem, que mais que um fingidor, o poeta é um multiplicador. Ele cria sobre o que foi, o que poderia ter sido e o que gostaria que tivesse sido.
Resta a ambiguidade, que torna o poema uma caixa de segredos, um caleidoscópio de sonhos: se eu dissesse... Pragmática a musa desconfia: Foi talvez mentira...
Para completar o quebra cabeça, o poema, que foi dedicado a Franklin de Menezes Fraga, irmão de Leonídia, com dedicatória 'Ao tapageateur Franklin', tem correspondência com recitativo , de Fagundes Varela (VARELA, Fagundes. Recitativo. In: VARELA, 1943, p. 87 - 88) o que faz pensar que tenha sido escrito a partir de um mote, seja um assunto, uma ocorrência, uma situação.
O poeta costumava manter um diálogo permanente com os autores de sua predileção e com amigos, dai sua correspondência cheia de alusões e a constante recorrência às epígrafes nos poemas.
Fonte: SINDERÉSE. www.itaparica.1954.blogspot.com
Partiu para onde lhe aguardavam os novos amores, o livro e a morte.
No sexto capítulo, A noiva, a autora fala de um casamento mal sucedido de Leonídia após a morte do poeta,de sua enfermidade diagnosticada como, psicose de involução, que a levou a uma internação no Hospício São João de Deus, a antiga Quinta da Boa Vista, onde na juventude o poeta habitou com Eugênia Câmara. Em sua ficha hospitalar consta a seguinte declaração: Fui forçada a separar-me de meu marido porque era noiva do poeta Castro Alves e, por isso, era mister que preenchesse o papel de casada e de noiva ao esmo tempo’. Em delírio Leonídia trazia consigo um pequeno embrulho que não a ninguém confiava. Um mistério. Um segredo. Segundo depoimento do doutor Lopes Rodrigues, que a assistiu em seus últimos instantes, nele continha papéis velhos, restos de poemas, cadernos de pensamentos, receitas de doces, rezas e esconjuros.
A jovem cujo ‘seio virginal, que a mão recata, / Embalde o prende a mão...cresce, flutua...' morreu velhinha, miserável, demente, mas noiva do poeta.
Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)


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